quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A APOLOGÉTICA DE TOMÁS DE AQUINO | PROF. CRISTIANO

São Tomás de Aquino (1225 – 1274), nasceu em Nápoles na Itália,  se tornou monge dominicano e mais tarde tornou-se professor da maior universidade de Paris. Vimos que Santo Agostinho cristianizou Platão, Tomaz de Aquino vai fazer o mesmo com Aristóteles ao usar sua teoria filosófica para explicar a fé e até mesmo a existência de Deus. A influência de seu pensamento penetrou toda a Europa a ponto de ele ser considerado o conselheiro dos conselheiros dos reis. Sua obra principal foi a Suma Teológica. Ele inverteu o lema de Santo Agostinho “crer para entender”, pois para ele é preciso primeiramente “entender para crer”. Apesar de dar uma valorizar na razão, ele também a entendia como a serviço da fé. Inclusive, sua obra se tornou uma possibilidade de diálogo com os pagãos que não compartilhavam da fé cristã para dessa maneira talvez covertê-los ao cristianismo. Discutindo com os judeus, podemos assumir como pressuposto o Antigo Testamento; discutindo com os heréticos, podemos assumir toda a Bíblia. Mas que pressuposto pode tornar possível a discussão com os pagãos ou gentios senão aquilo que nos assemelha, isto é, a razão?


Para ele a teologia não substitui a filosofia
Em Tomas de Aquino há uma razão e uma filosofia como preparação para a féA filosofia tem sua autonomia, mas não dá conta de tudo o que se pode dizer ou conhecer. Por isso, é preciso integrá-la a tudo o que está contido na Bíblia em relação a Deus, ao homem e ao mundo.
Nesse sentido, a diferença entre a filosofia e a teologia não está no fato de que uma trata de certas coisas e a outra de outras coisas mas no fato de que a filosofia oferece um conhecimento imperfeito daquelas mesmas coisas que a teologia está em condições de esclarecer em seus aspectos e conotações específicos relativos à salvação eterna.
Ou seja, a fé melhora a razão assim como a teologia melhora a filosofia. A graça não suplanta, mas aperfeiçoa a natureza. E isso significa duas coisas:
  •  a) a teologia retifica a filosofia, mas não a substitui, assim como a fé orienta a razão, não a elimina;
  •  b) a filosofia, como preparação para a fétem sua autonomia, porque é formulada com instrumentos e métodos não assimiláveis aos da teologia.
É preciso partir das verdades “racionais”, porque é a razão que nos une. É sobre essa base que se podem obter os primeiros resultados universais, porque racionais, com base nos quais se pode depois construir um discurso de aprofundamento de caráter teológico.
Por fim, Tomás tinha a convicção de que, apesar de sua radical dependência de Deus no ser e no agir, o homem e o mundo tem relativa autonomia, e isso leva a uma reflexão com os instrumentos da razão pura, fazendo frutificar todo o potencial cognoscitivo para responder a vocação original de “conhecer e dominar o mundo”.


De acordo com a sua TEORIA DO CONHECIMENTO, o homem é um ser duplo, composto por um corpo material e por uma alma inteligível. O homem conhece porque é alma, mas não tem acesso direto a Deus porque também é corpo.
Nosso conhecimento sempre parte dos sentidos, mas atinge o inteligível por meio da abstração. Desse modo, a teoria tomista do conhecimento é a do realismo, ou seja, considera que os conceitos que apreendemos pelo conhecimento possuem uma realidade autônoma e objetiva. O que a faculdade do conhecimento recebe do objeto é uma impressão deste. O que primeiro conhecemos são essas impressões, porque elas remetem de forma intencional ao objeto observado.
Tomás fixou-se num realismo moderado, tomando como ponto de partida o ser captado pela inteligência no âmbito do conhecimento sensível, de onde o abstrai, para em seguida buscar novos resultados da especulação sem nunca ultrapassar o âmbito limitado do ser sensível.
A METAFISICA de Tomás distingue o ente (existente) da essência e privilegia o ente em relação à essência. O ente pode ser lógico (conceitual) e real.
O ente lógico tem a função de unir mais conceitos, mas isso não significa que para cada ente lógico corresponda um ente real (por exemplo, ao conceito de cegueira não corresponde nenhum ente real). É esta posição do “realismo moderado” que recorre ao poder de abstração do intelecto para explicar os universais. Sobre os quais eu já expliquei em outra aula.
A essência é o “o que é” de uma coisa, mas é apenas potência de ser, pois apenas em Deus potência e existência coincidem; no mundo e no homem não há correspondência entre potência de ser e existência real. Por este motivo, apenas Deus é necessário (possui como próprio o ato de ser), o mundo, ao contrário, é contingente, porque participa no ser de Deus.
O problema dominante é, portanto, estabelecer o que é o ser, ou por que existe o ser e não o nada. Mas a solução pertence ao âmbito do mistério, e ao homem cabe maravilhar-se a cada momento do fato de que tudo o que é existe, enquanto, seria mais lógico que não existisse.
Tudo o que é, é também bom porque é fruto da bondade de Deus. Nessa concepção, Deus se apresenta como Sumo bem.
Dado que Deus é causa da criatura, a própria criatura apresenta algumas semelhanças com Deus. Por outro lado, a transcendência de Deus implica também uma insuperável diferença entre o Criador e o criatura, a ponto de nosso conhecimento de Deus tornar-se impossível, e exprimível apenas por via negativa.
E por falar em conhecimento de Deus, Santo Tomás também se debruçou sobre a necessidade vigente na idade média de provar a existência de Deus. Ele apresenta para isso cinco vias, todas de índole realista (ou seja, considerando algum aspecto da realidade dada pelos sentidos como o efeito e buscar a partir disso a sua causa).
A PRIMEIRA VIA apresentada fundamenta-se na constatação de que no universo existe MOVIMENTO. Baseado em Aristóteles, Santo Tomás considera que todo movimento tem uma causa, que deve ser exterior ao próprio ser que está em movimento, pois não se pode admitir que uma mesma coisa possa ser ela mesma a coisa movida e o princípio motor que a faz movimentar-se. Só pra gente entender. Exemplo: uma bola de sinuca é movida, por outra bola de sinuca que por sua vez pode ter sido movida por outra, até uma que foi movida pelo taco de sinuca, que foi movido por exemplo pelo braço de um jogador, e esse braço foi movido pelo jogador, e seu movimento foi causado pela vontade de ganhar o jogo e assim por diante. Viram que o que é movido também pode ser motor de outro movimento, o próprio motor deve ser movido por um outro, este por um terceiro, e assim por diante. Nessas condições, é necessário admitir a série de motores até chegar a um primeiro motor imóvel, como pensava Aristóteles, que para Santo Tomás, é o próprio Deus.
A SEGUNDA VIA diz respeito à ideia de causa em geral. Todas as coisas ou são causas ou são efeitos, não existe coisa alguma que seja causa de si mesma. Nesse caso, ela seria causa e efeito no mesmo tempo, sendo, assim, anterior e posterior, o que seria absurdo. Por outro lado, toda causa, por sua vez, deve ter sido causada por outra e esta por uma terceira, e assim sucessivamente. Impõe-se, portanto, admitir uma primeira causa não causada, Deus.
A TERCEIRA VIA refere-se aos conceitos de necessidade e contingência. Todos os seres estão em permanente transformação, alguns sendo gerados, outros se corrompendo e deixando de existir. Mas isso é contingente, pois poder ou não existir não é possuir uma existência necessária, já que aquilo que é necessário não precisa de causa para existir. Ou seja: se alguma coisa existe é porque participa do necessário, se algo começa a existir é por causa de algo que já existia antes. Vulgarizando um pouco: para que uma mesa exista, é necessário que material de que ela é feita exista antes, que quem a faz também exista antes dela e assim por diante. E cada coisa existente exige uma cadeia de causas, que culmina no necessário absoluto, ou seja, Deus.
A QUARTA VIA tomista para provar a existência de Deus é de índole platônica e baseia-se nos graus hierárquicos de perfeição observados nas coisas. E caminhando por esses graus, chegamos a uma idéia que seria como uma referência de perfeição. Nesse sentido, deverá existir, portanto, uma verdade e um bem em si: Deus.
A QUINTA VIA fundamenta-se na ordem das coisas. De acordo com o finalismo aristotélico adotado por Tomás de Aquino, todas as operações dos corpos materiais tenderiam a um fim, no sentido de finalidade e não de término. A regularidade com que alcançam seu fim mostraria que eles não estão movidos pelo acaso; a regularidade seria intencional e desejada.
Quantas vezes a gente não olha para a natureza e se admira com essa regularidade, hoje principalmente num mundo em que praticamente matematizamos vários fenômenos pelas leis da física. Se a natureza,  que está privada de  de conhecimento possui essa regularidade, poderíamos concluir, segundo Tomás de Aquino, que há uma inteligência primeira, ordenadora da finalidade das coisas. Essa inteligência soberana seria Deus.
Enfim, depois dessa exposição fica difícil a gente não concordar pelo menos com o argumento de que ele consegue buscar na filosofia pagã um diálogo com aqueles que não acreditam nos escritos bíblicos. Evidentemente, esse tipo de abordagem é tão ampla que acaba deixando de lado algumas especificidade da teologia cristã, pois Deus visto nessa concepção seria uma conclusão racional a partir da observação do mundo e não do estudo da verdade revelada, por isso ela é apologética, permitindo discutir com quem não aceita nenhuma fé. 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

HENRI BERGSON: AS DUAS FONTES DA MORAL E DA RELIGIÃO | PROF. CRISTIANO







Na última
aula ao falarmos de evolução criadora, partimos da idéia de impulso vital que
proporcionou uma evolução das espécies  até chegarmos à análise das distinções entre
instinto e inteligência como duas formas de excelência. Sendo o instinto uma
forma rígida, repetitiva e a inteligência uma forma flexível que se expressa
numa atividade criadora. Finalizamos a aula trazendo  um conceito muito importante em Bergson que a idéia
de intuição. Mostramos por que a intuição acaba servindo ao ser humano como um
aporte complementar ao que lhe conferem o instinto e a inteligência. E
finalizamos apresentando as principais formas da atividade criadora que seriam
a arte, a filosofia, a moral e a religião.
 Eu dizia que, Bergson parte de uma teoria do
universo com a Evolução criadora e acaba desembocando numa teoria dos valores,
no caso, morais e religiosos.

Vimos também
em algumas aulas do conteúdo de ética que Platão havia concebido uma idéia de universalidade
dos valores morais como se eles fossem eternos e imutáveis , mas para vários
outros pensadores como Nietzsche, por exemplo, os valores teriam sido
construídos historicamente. Bergson, nós poderíamos dizer que se alinha se uma
certa maneira a esses últimos. Mas então, partindo desse pressuposto, qual seria
então a origem dos valores morais para Bergson? A resposta está na obra:  “as duas fontes da moral e da religião”   Para ele as normas morais teriam duas
fontes, a pressão social e o impulso de amor. Vamos entender isso:
No primeiro
caso, as normas são o fruto da pressão social e ex­pressam as exigências da
vida associada dos diversos grupos humanos, assim como eles se deram e se dão
na história. E é a história que nos ensina que o indivíduo segue o caminho que
encontra já trilhado pelos outros e codificado pelas normas de sua sociedade,
conforma-se às regras dessa sociedade, exalta seus ideais e procura se adequar
a eles. O que está na base da sociedade é apenas o hábito de con­trair hábitos.
E, em análise profunda, isso é o único fundamento da obrigação moral. Mas essa
moral da obrigação e do hábito é a moral da sociedade fechada, onde o indi­víduo
age como parte do todo e esse todo é um grupo determinado, como a nação, a
família ou o clube.

Mas, para
Bergson, a pressão social não é a única fonte da mora­lidade e não consegue,
como pretendiam os positivistas, explicar a vida moral do homem em sua
totalidade e em suas características mais típicas. Na realidade, não existe so­mente
a moral da obrigação e do hábito, isto é, a moral relativa às várias sociedades
fechadas da história, mas também existe a moral absoluta, que é a moral da
sociedade aberta. Essa é a moral, por exemplo, do cristianismo, dos sábios da Grécia
e dos profetas de Israel. Essa moral é obra criadora — criadora de valores
universais — de heróis morais como Sócrates ou Jesus, que vão além dos valores
do grupo ou da sociedade a que pertencem para ver o homem enquanto homem, a hu­manidade
inteira — e a humanidade inteira é a sociedade aberta. O fundamento da moral
aberta é a pessoa criadora; sua finalidade é a humanidade; seu conteúdo é o
amor para com todos os homens; sua característica é a inovação moral, capaz de
romper com os esquemas fixos das sociedades fechadas. A moralidade aberta é
algo que não se ensina: é a moral dos grandes místicos e reveladores, e de
todos os que seguem a inspiração que os induz a segui-los.

De modo
semelhante, como na moral, na vida religiosa, Bergson também distingue a
religião estática da religião dinâmica. Não é possível separar o pensamento
ético de Bergson de suas concepções antropológico-metafísicas-religiosas.

A religião
estática é caracterizada pelo que Bergson chama de função fabuladora. As
fábulas e os mitos, teriam o papel de reforçar os laços sociais entre os seres
humanos, pois o ser inteligente tende ao egoísmo, tem consciência de sua
própria moralidade e conhece a imprevisibilidade do futuro e a precariedade dos
empreendimentos humanos.Nesse sentido, a religião estática é uma religião infra-intelectual
e natural, pois surge da evolução natural com um objetivo vital de defender o
homem da ameaça de sua própria inteligência.

Já a
religião dinâmica, segundo Bergson é supra-intelectual, pois nela os dogmas são
apenas cristalizações, e o mergulho no impulso vital gera o misticismo. O que
seria o misticismo: “É A TOMADA DE CONTATO E, CONSEQÜENTEMENTE, A COINCIDÊNCIA
PARCIAL COM O ESFORÇO CRIADOR QUE A VIDA MANIFESTA. ESSE ESFORÇO É DE DEUS, SE
NÃO FOR O PRÓPRIO DEUS (...) DEUS É AMOR E OBJETO DE AMOR: NISTO RESIDE TODO O
MISTICISMO.”
Quando a
gente fala em misticismo a gente tende a pensar num tipo de contemplação que
rejeita a eficácia da ação. Mas Bergson, na verdade, acredita que o misticismo
adequado seria aquele no qual o êxtase é aquele que desemboca na ação no mundo.
Dessa maneira, o amor a Deus se traduz num amor pela humanidade. Esse tipo de
misticismo pode ser exemplificado nas figuras de São Paulo, São Francisco de
Assis, Santa Tereza , Santa Catarina de Sena, e Santa Joana Darc. Esta última, por
exemplo,uma grande heroína da Guerra dos Cem anos,ao liderar os exércitos da
França na expulsão dos ingleses, dizendo ter sido orientada pela voz de Deus.
Ou seja, de novo essa mescla entre espitiritualidade e ação no mundo. Sabemos
como sua vida terminou de maneira trágica, queimada por um falso tribunal de
inquisição por um bispo corrupto como se fosse uma herege ou bruxa, mas até
própria igreja reconheceu depois  seus mercimentos
tanto no aspecto político quanto no aspecto religioso.

E, além
disso, só a experiência mística está em condições de fornecer a única prova da
existência de Deus; a concordância dos místicos de qualquer religião que seja
religiões, mostra precisamente a existência real de Deus pela intuição mística.
Nesse
sentido, a religião dinâmica ou aberta é a reli­gião dos místicos. E, Bergson
ressalta que a humanidade tem urgente necessidade de gênios místicos nos dias
de hoje. Porque, através da técnica, ampliou sua ação sobre a natureza, seu
corpo se engrandeceu além da medi­da. Esse corpo engrandecido, segundo Bergson,
“ESPERA UM SUPLEMENTO DE ALMA, E A MECÂNICA EXIGIRÍA UMA MÍSTICA”. Esse
suplemento de alma é necessário para curar os males do mundo contemporâneo.

Não sei
vocês, mas eu sempre que vejo as pessoas indo atrás de soluções fáceis para o
alcance da felicidade, expressando um grande vazio interior, fico pensando se
talvez o que falta nos seres humanos não seria esse reconhecimento feito por
Bergson.  Mas isso é apenas uma opinião.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

HENRI BERGSON: INSTINTO, INTELIGÊNCIA E INTUIÇÃO | PROF. CRISTIANO



A idéia de evolução criadora nos permite ir além
das dificuldades e das fal­sidades do mecanicismo e do finalismo, já que a vida
“é realidade que se destaca claramente da matéria bruta”. A vida, em suma, é
evolução criadora, criação livre e imprevisível, é “impulso vital”, que “não
precisa se distender para se estender”. E a matéria nada mais é que o momento
de pa­rada desse impulso vital. A vida é o impulso pelo qual ela tende “a
crescer em número e em riqueza, pela multiplicação no espaço e pela complicação
no tempo”; trata-se de uma contínua criação de formas, onde o que vem depois
não é de modo algum simples recombinação dos elementos que já antes existiam;
ela é “ação que continuamente se cria e se enriquece”, ao passo que a matéria é
“ação que se dissolve e desgasta”, que pro­gressivamente se despotencializa e
degrada, o que é atestado até pelo segundo princípio da termodinâmica.
Para Bergson, “não há coisas, mas apenas ações”. A
matéria é impulso vital degradado, impulso que perdeu em criatividade e que,
desse modo, torna-se obstáculo para o impulso seguinte, como a onda do mar que,
retornando, transforma-se em obs­táculo para a onda que se levanta. A vida, ao
contrário, é “corrente que, atravessando os corpos que ela pouco a pouco
organizou e passando de geração em geração, dividiu- se entre as espécies e se
dispersou entre os indivíduos Para Bergson, a matéria é um refluxo do impulso
vital, que, a partir de unidade originária, se irradia e recai em uma
multiplicidade de elementos cujo impulso e cuja criatividade vão se
extinguindo.
A evolução criadora, portanto, não é um processo uniforme. Ela é
comparável à explosão de uma granada cujos fragmen­tos, por seu turno, também
explodem. Ela também se assemelha a um feixe de colunas, cada uma das quais
representa um caminho diferente da evolução, uma das bifurcações na qual o
impulso vital dispersa sua unidade originária. Em outros termos, a evolução se
abre em leque, em direções divergentes, com os seres vivos se especializando em
funções específicas e precisas. A primeira bifurcação na qual o impulso vital
dispersa sua unidade originária. Em outros termos, a evolução se abre em leque,
em direções divergentes, com os seres vivos se especializando em funções
específicas e precisas. A primeira bifurcação fundamental é a que se tem entre
as plantas e os animais. Enjauladas na noite da incons­ciência e da
imobilidade, as plantas armaze­nam energia potencial; os animais, móveis, vão à
procura do alimento. E a consciência nasce precisamente dessa busca. Os
animais, por seu turno, se bifurcam ou “explodem” em outras direções, uma das
quais leva às formas mais perfeitas de instinto, como nos himenópteros, ao
passo que outra, a dos ver­tebrados, leva, com a inteligência humana, para além
do instinto. A realidade é que “em todos os outros pontos a consciência acabou
em um beco sem saída; apenas com o homem ela prosseguiu seu caminho”.

A vida animal não se desenvolveu em uma direção única. E em algumas
dessas direções, como aquela em que acabaram os moluscos, ela encontrou becos
sem saída. Entretanto, no que se refere à mobilidade e à consciência, encontrou
seu maior sucesso nos artrópodes e nos vertebrados. A evolu­ção dos artrópodes
manifesta sua melhor expressão nos insetos, especialmente nos himenópteros, ao
passo que a dos verte­brados se manifesta no homem. Enquanto, na linha dos
artrópodes, a evolução leva a formas sempre mais perfeitas de instintos,
na segunda ela leva à inteligência, embora certa “franja de
inteligência” acompanhe o instinto e um “halo de instinto” permanece em torno
da inteligência.
Mais precisamente, porém, o que é o instinto, e em que consiste a
inteligência? Como escreve Bergson, “o instinto é a fa­culdade de utilizar e
também de construir instrumentos orgânicos, a inteligência é a faculdade de
fabricar e empregar instrumen­tos inorgânicos [...]. Instinto e inteligência
representam, portanto, duas soluções diver­gentes, mas igualmente elegantes, do
mesmo problema”.
E esse é o problema da vida (de modo que se compreende que,
originariamente, o homem é bomo faber e não bomo sapiens). O instinto funciona
por meio de órgãos na­turais, a inteligência cria instrumentos artifi­ciais. O
instinto é hereditário e a inteligência não; o instinto volta-se para uma
coisa, já a inteligência é conhecimento das relações entre coisas; o instinto é
inconsciente, a inteligência consciente; o instinto é repeti­tivo, ao passo que
a inteligência é criativa. O instinto, justamente, é repetitivo e rígido, é
hábito; ele apresenta soluções adequadas, mas para um só problema, incapaz de
variar.
Por seu turno, a inteligência não conhece as próprias coisas, mas as
relações entre coisas. Por isso, mediante os conceitos, ela conhece as “formas”
e, afastando-se da realidade imediata, pode prever a realidade futura. Por
razões práticas, pois, a inteligência analisa e abstrai, classifica e
distingue, subdividindo a duração real — como em uma película ci­nematográfica
— em uma série de diferentes estados. Mas “mil fotografias de Paris não são
Paris”.
Assim, nem o instinto nem a inteli­gência (e a ciência que esta produz)
nos dão a realidade: “Há coisas que somente a inteligência é capaz de procurar,
mas que nunca encontrará por si só; somente o ins­tinto poderia descobri-las,
mas este não as procurará jamais”.
Entretanto, a situação não é desesperadora. E não o
é porque a inteligência, que nunca está completamente separada do instinto,
pode voltar conscientemente para o instinto. E, quando isso acontece, temos a
intuiçãos que é “instinto que se tornou desinteressado, consciente
de si, capaz de refletir sobre seu próprio objeto e de ampliá- lo
indefinidamente”.
A inteligência gira em torno do ob­jeto e toma o maior número possível
de visões dele a partir do exterior, mas não entra nele; mas, “ao contrário, a
intuição é que nos conduzirá ao interior da vida”. A inteligência produz
análise e despedaça o devir. Mas a intuição atua através da simpatia; e, com
ela, “nos transporta para o interior de um objeto para coincidir com o que tal
objeto tem de único e, portanto, de inexprimível” (inexprimível através dos
símbolos e conceitos da inteligência). A in­tuição “é a visão do espírito pelo
espírito”: ela é imediata como o instinto e consciente como a inteligência.

Que a intuição seja um processo real é demonstrado pela intuição
estética, onde as coisas aparecem privadas de todos os laços com as
necessidades cotidianas e com as premências da ação. E é também a intuição que
nos revela a duração da consciência e o tempo real, e que nos torna conscientes
da liberdade que somos nós mesmos. A intuição é o órgão da metafísica: a
ciência analisa, mas a metafísica intui, fazendo-nos assim entrar em contato
direto com as coisas e com aquela essência da vida que é a duração.
A intuição é sondagem da essência do real e a metafísica é “a ciência
que se propõe superar a barreira dos símbolos construídos pelo intelecto”. A
intuição, como escreve Bergson, “alcança a posse de um fio: e ela própria deverá
ver se esse fio sobe até o céu ou se se detém a alguma distância da terra. No
primeiro caso, a experiência metafísica se vinculará à dos grandes místicos — e
eu posso constatar, por minha conta, que essa é a verdade. No segundo caso, as
experiências metafísicas permanecerão isoladas umas das outras, sem, no
entanto, contrastar entre si. Em todo caso, a filosofia nos terá erguido acima
da condição humana”.
O impulso vital, que se detém nas outras espécies
vivas, enrijecendo-se na repetição fixa de comportamentos sempre idênticos, no
homem supera os obstáculos, expressando-se na atividade criadora hu­mana, cujas
principais formas são a arte, a filosofia, a moral e a religião. Em sua última
obra, As duas fontes da moral e da religião (1932), Bergson dirigiu sua atenção
preci­samente para o tema da criatividade moral e religiosa do homem. Assim,
partindo do estudo da consciência, ele, com A evolução criadora, passa para uma
teoria do universo e conclui com uma teoria dos valores (mo­rais e religiosos).
Em sua opinião, as normas morais têm duas fontes: a) a pressão social e
b) o impulso de amor.
a) No primeiro caso, as normas são precisamente o fruto da pressão
social e ex­pressam as exigências da vida associada dos diversos grupos
humanos, assim como eles se deram e se dão na história. E é a história que nos
ensina que o indivíduo se encontra em sua sociedade de modo análogo ao modo em
que uma célula está no organismo ou uma formiga no formigueiro. Geralmente,
o indivíduo segue o caminho que encontra já trilhado pelos outros e
codificado pelas normas de sua sociedade, conforma-se às regras dessa
sociedade, exalta seus ideais e procura se adequar a eles. O que está na base
da sociedade é apenas o hábito de con­trair hábitos. E, em análise profunda,
isso é o único fundamento da obrigação moral. Mas essa moral da obrigação e do
hábito é a moral da sociedade fechada, onde o indi­víduo age como parte do todo
e esse todo é um grupo determinado, como a nação, a família ou o clube.
b) Entretanto, segundo Bergson, a pressão social
não é a única fonte da mora­lidade e não consegue, como pretenderam os
positivistas, explicar a vida moral do homem em sua totalidade e em suas
características mais típicas. Na realidade, não existe so-mente a moral da
obrigação e do hábito, isto é, a moral relativa às várias sociedades fechadas
da história, mas também existe a moral absoluta, que é a moral da sociedade
aberta. Essa é a moral do cristianismo, dos sábios da Grécia e dos profetas de
Israel. Essa moral é obra criadora — criadora de valores universais — de heróis
morais como Sócrates ou Jesus, que vão além dos valores do grupo ou da
sociedade a que pertencem para ver o homem enquanto homem, a hu­manidade
inteira — e a humanidade inteira é a sociedade aberta. O fundamento da moral aberta
é a pessoa criadora; seu fim é a humanidade; seu conteúdo é o amor para com
todos os homens; sua característica é a inovação moral, capaz de romper com os
esquemas fixos das sociedades fechadas. A moralidade aberta é algo que não se
ensina: é a moral dos grandes místicos e reveladores, e de todos os que seguem
a inspiração que os induz a segui-los.








quinta-feira, 12 de setembro de 2019

RELAÇÃO ENTRE MATÉRIA E MEMÓRIA EM HENRI BERGSON | PROF CRISTIANO

No Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, o tempo espacializado da ciência se opõe à duração da consciência ou tempo da experiência concreta. Essa oposição repercute na outra contraposição entre uma realidade externa, mecânica, nunca nova por ser sempre repetitiva, e uma realidade interna, fundida na unidade do eu, sempre criativamente nova. Chegando a esse ponto, Bergson não podia evitar o problema da relação, ou melhor, da passagem entre as duas realidades. O problema se impunha também pela razão de que, na consciência, ele vira sua possibilidade de solidificar-se equase se petrificar em situações de repetitividade mecânica.

A questão da passagem entre a realidade externa (a matéria) e a interna (o espírito) é enfrentada por Bergson no livro Matéria e memória, onde procura “captar mais claramente a distinção do corpo e do espírito e penetrar mais intimamente no mecanismo de sua união”. Diz Bergson que, no que se refere ao problema da relação entre a matéria ou o corpo e o espírito, alguns pensadores sustentam a teoria do paralelismo psicofísi- co, segundo a qual os estados mentais e os estados cerebrais são dois modos diversos de falar da mesma coisa ou processo. Contra a redução do espírito à matéria, Bergson propõe e reafirma a idéia de que o cérebronão explica o espírito e que “na consciência humana há infinitamente mais do que no cérebro correspondente”.
Para iluminar essa tese, Bergson assume os dados das descobertas de psicofisiologia efetuadas na época, e realiza uma análise aprofundada da atividade da consciência, distinguindo três momentos distintos dela, ou seja, a memória, a recordação e a percepção. A memória coincide e se identifica com a própria consciência. E é precisamente pela e na memória que “nosso passado inteiro nos segue a cada momento”, e o que “ouvimos, pensamos e quisemos desde a primeira infância está lá, inclinado sobre o presente, que está por absorver em si, premente à porta da consciência”.

Dessa memória espiritual — que é a “duração” da consciência — podemos distinguir a recordação. Nosso ser mais verdadeiro e mais profundo está na memória espiritual, mas a vida nos impõe prestar atenção ao presente e toma do passado unicamente o que é necessário para que possamos nos orientar no presente. E essa obra de seleção da recordação útil e do esquecimento do que não serve ao presente é realizada pelo corpo e pelo cérebro: eles tiram do fluxo até abissal da consciência aquelas recordações funcionais para a inserção de nosso organismo na situação do presente, através das percepções. Em suma, pelo cérebro passa apenas uma parte, parte muito pequena, daquilo que é o processo da consciência, ou seja, passa unicamente o que pode se traduzir em movimento. Assim, podemos compreender melhor Bergson quando diz que na consciência há infinitamente mais do que no cérebro correspondente.
Para se realizar, a memória espiritual necessita dos mecanismos ligados ao corpo — já que é através do corpo que agimos sobre os objetos do mundo —, mas é independente do corpo, de modo que uma lesão do cérebro não atinge a consciência, e sim muito mais a vinculação entre a consciência e a realidade: a consciência permanece intacta, ainda que perdendo o contato com as coisas. Para Bergson, a realidade é que, “sempre orientado para a ação, o corpo tem como função essencial a de limitar a vida do espírito, tendo em vista a ação”. E faz isso através da percepção, que é “a ação possível de nosso corpo sobre os outros corpos”. A percepção é o poder de ação de nosso corpo, que se move com destreza entre as “imagens” dos objetos. Como imagem do passado, a recordação orienta a percepção
presente, pelo fato de agirmos sempre com base nas experiências passadas.
Assim, “todo o passado da pessoa encontra-se aberto” até o extremo, que é a ação no presente. Em cada instante de nossa vida temos, pois, uma ligação entre memória e percepção, em vista da ação.
Desse modo, a memória e a percepção se identificam respectivamente com o espírito e o corpo.
A memória funde em uma totalidade a vida vivida; a percepção consiste “em destacar, no conjunto dos objetos, a ação possível de meu corpo sobre eles. A percepção, por conseguinte, nada mais é do que uma seleção”. Conseqüentemente, a liberdade da consciência encontra suas limitações na percepção. E a percepção, por seu turno, entra no fluxo da vida do eu, fundindo-se na memória ou consciência. Eis, portanto, segundo Bergson, em que consiste a verdadeira relação entre espírito e matéria e entre alma e corpo: por um lado, a memória “assume o corpo de uma percepção qualquer em que ele se insere” e, por outro lado, a percepção é reabsorvida pela memória e se torna pensamento. 
Bergson não vê o universo conforme Descartes, como dividido entre a res cogitans e a res extensa. No fundo, para Bergson, o espírito e a matéria, assim como a alma e o corpo, são dois pólos da mesma realidade e não duas realidades diferentes. E precisamente em A evolução criadora (de 1907) — obra que James definiu como “uma aparição divina” — Bergson passa da análise dos dados imediatos da consciência para a elaboração de uma visão global da vida e da realidade, propondo a idéia de um evolucionismo cosmológico.
As teorias da evolução se distinguem em duas grandes classes: as mecanicistas e as finalistas.
O evolucionismo mecanicista explica a evolução em termos da causa eficiente, o evolucionismo finalista com base na causa final; um com base em razões que determinam a evolução por meio do passado, o outro com base em razões que determinam a evolução por meio do futuro. Por conseguinte, tanto o evolucionismo mecanicista como o finalista
são deterministas - e justamente por isso deixam escapar a realidade da evolução. Com efeito, diz Bergson, a exemplo da vida da consciência, a vida biológica não é máquina que se repete, sempre idêntica a si mesma, mas é uma constante e incessante novidade, é criação e imprevisibilidade, é vida sempre nova que, englobando e conservando todo o passado, cresce sobre si mesma.
A idéia de evolução criadora nos permite ir além das dificuldades e das falsidades do mecanicismo e do finalismo, já que a vida “é realidade que se destaca claramente da matéria bruta”. A vida, em suma, é evolução criadora, criação livre e imprevisível, é “impulso vital”, que “não precisa se distender para se estender”. E a matéria nada mais é que o momento de parada desse impulso vital. A vida é o impulso pelo qual ela tende “a crescer em número e em riqueza, pela multiplicação no espaço e pela complicação no tempo”; trata-se de uma contínua criação de formas, onde o que vem depois não é de modo algum simples recombinação dos elementos que já antes existiam; ela é “ação que continuamente se cria e se enriquece”, ao passo que a matéria é “ação que se dissolve e desgasta”, que progressivamente se despotencializa e degrada, o que é atestado até pelo segundo princípio da termodinâmica.
Para Bergson, “não há coisas, mas apenas ações”. A matéria é impulso vital degradado, impulso que perdeu em criatividade e que, desse modo, torna-se obstáculo para o impulso seguinte, como a onda do mar que, retornando, transforma-se em obstáculo para a onda que se levanta. A vida, ao contrário, é “corrente que, atravessando os corpos que ela pouco a pouco organizou e passando de geração em geração, dividiu- se entre as espécies e se dispersou entre os indivíduos Para Bergson, a matéria é um refluxo do impulso vital, que, a partir de unidade originária, se irradia e recai em uma multiplicidade de elementos cujo impulso e cuja criatividade vão se extinguindo.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

HENRI BERGSON: O TEMPO ESPACIALIZADO E O TEMPO COMO DURAÇÃO | PROF. CRIS...

Bergson é considerado como o mais importante filósofo francês de sua época, influenciando tanto o pragmatismo norte-americano no modelo de James, como também toda a filosofia através de suas reflexões sobre a ciência, a arte, a concepção de sociedade e da religião.
O objetivo de fundo da filosofia de Bergson é a defesa da criatividade e da irredutibilidade da consciência ou espírito, contra toda tentativa reducionista de matriz positivista.
Mas a defesa do espírito elaborada por Bergson adquire sua peculiaridade precisamente porque ele, a fim de entender plenamente a vida concreta da consciência, torna seus os resultados da ciência e não minimiza em absoluto a presença do corpo e a existência do universo material.
Para Bergson, as coisas são diferentes: a consciência ou vida espiritual é irredutível à matéria; ela é uma energia criadora e finita, continuamente às voltas com condições e obstáculos que podem bloqueá-la e degradá-la. O pensamento de Bergson é uma filosofia que pretende ser fiel à realidade, mas onde a realidade não é concebida como reduzida nem envolvida pelos “fatos” dos positivistas. Bergson se deu conta de que o positivismo não manteve em absoluto sua promessa de fidelidade aos fatos, como por exemplo, no tratamento do problema do tempo.
Segundo ele, o tempo da experiência concreta escapa à mecânica. Para a mecânica, o tempo é uma série de instantes, um ao lado do outro, como se vê nas sucessivas posições dos ponteiros do relógio. Por isso, o tempo da mecânica é tempo espacializado. Nesse sentido, medir o tempo significa comprovar que o movimento de certo objeto em um espaço determinado coincide com o movimento dos ponteiros dentro daquele espaço que é o quadrante do relógio. Mas, além de espacializado, o tempo da mecânica é tempo reversível, já
que podemos voltar atrás e repetir infinitas vezes o mesmo experimento. Além disso, para a mecânica, todo momento é externo ao outro e é igual ao outro: um instante vem depois de outro e não há um instante diferente do outro, mais intenso ou mais importante do que o outro.
Mas essas características do tempo da mecânica não conseguem dar conta do que é o tempo da experiência concreta. Se a espacialidade é a característica das coisas, a duração é a característica da consciência. A consciência capta imediatamente o tempo como duração. Duração quer dizer que o eu vive o presente com a memória do passado e a antecipação do futuro. Fora da consciência, o passado não existe mais e o futuro ainda não existe. Passado e futuro só podem viver em uma consciência que os liga no presente. Ou seja, a duração vivida não é o tempo espacializado da mecânica.
Naturalmente, o tempo espacializado e, portanto, quantitativo e mensurável, cristalizado em uma série de momentos externos uns aos outros, funciona bem para as finalidades práticas da ciência, que tem por função construir teorias úteis,  ricas de previsões, eficazes para controlar as situações que, de vez em quando, devem ser confrontadas. Nesse sentido, Bergson retoma a doutrina da economia da ciência proposta pelos empiriocriticistas, mas percebe, na ciência da natureza e em seus métodos, uma total incapacidade e inadequação para o exame dos dados da consciência.
Para Bergson, a realidade apresenta aspectos diversos, que, se quisermos permanecer fiéis à experiência, devem ser estudados com método próprio. É aí que, em sua opinião, o positivismo falha: na concepção de que a natureza dos fatos é única e ao pretender julgar todos os fatos com o mesmo método.
Bergson liga à idéia de duração, como característica fundamental da consciência, sua defesa da liberdade e sua crítica ao determinismo, quando este presume poder explicar a vida da consciência. Na realidade, se os objetos “não levam a marca do tempo transcorrido”, ou seja, se eles existem um externamente ao outro em um tempo espacializado, então a determinação de um acontecimento posterior por meio de um acontecimento anterior, diferente dele, torna-se possível: primeiros acontecimentos idênticos (as causas) explicam posteriores acontecimentos idênticos (os efeitos). Mas o que é possível — e útil — no âmbito dos objetos espacializados é impossível para a consciência.
A consciência conserva os traços do próprio passado: nela nunca há dois acontecimentos idênticos, por isso é impossível a determinação de acontecimentos idênticos sucessivos. A vida da consciência não é divisível em estados distintos, e o eu é unidade em devir — e onde não há nada de idêntico, não há nada de previsível.
Tanto os deterministas como os que sustentam da doutrina do livre-arbítrio, segundo Bergson, estão errados, porque aplicam à consciência as categorias típicas do que, ao contrário, é externo à consciência.
Os deterministas buscam as causas determinantes da ação, e não percebem que o único motivo profundo é a consciência toda, com sua história. Da mesma forma se comportam os que sustentam o livre-arbítrio, que estabelecem a causa da liberdade na vontade.
Substancialmente todos eles pressupõem uma idéia de consciência como uma soma de atos distintos, mas o eu é unidade em devir, nós “somos livres quando os nossos atos emanam de toda a nossa personalidade, quando a expressam”.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

HISTORICISMO | PROFESSOR CRISTIANO



No século XIX nós tivemos um grande desenvolvimento dos estudos
históricos, em especial na Alemanha, que acabou denominando este século de “século
da história”. Além disso, tivemos avanços em relação à filologia, e um resgate
de textos antigos epicuristas, estóicos, e pré-socráticos.

Na área do direito também tivemos um aprofundamento da idéia de
história que analisou as instituições jurídicas reconhecendo-as como resultado
de um processo evolutivo e não como dotadas de um saber já fixado eternamente.
Também é importante ressaltar a influência do romantismo, a idéia de
tradição, um certo culto da experiência coletiva dos povos, numa tentativa de
resgatar o passado no presente revivendo-o novamente.

Também a influência de Hegel que falecido no início do século XIX
deixou uma obra que ensinava a olhar a história não como um amontoado de fatos
separados, mas como uma totalidade em desenvolvimento dialético.

Nesse pano de fundo surge essa corrente damos o nome de historicismo
por razões óbvias. Ele surge nas últimas décadas do século XIX e se desenvolve
até o princípio da segunda guerra mundial.

Mas é importante frisar que o historicismo, e aqui não vamos
especificar o historicismo alemão, não é uma filosofia compacta. Mas a gente
pode encontrar elementos em comum em todas as visões ditas historicistas,
incluindo Dilthey de quem falei em aula anterior. Então vamos lá, quais são as
principais características do historicismo:

1.      
“O historicismo subs­titui a consideração
generalizante e abstrata das forças histórico-humanas pela conside­ração de seu
caráter individual.

2.       Apesar
da influência de Hegel e dos românticos como eu falei agora, para os
historicistas a história não é a realização de um princípio espiritual infi­nito
(Hegel) ou, como queriam os românti­cos, uma série de manifestações individuais
da ação do “espírito do mundo” que se encarna em cada “espírito dos povos”.
Para os historicistas alemães contemporâneos, a história é obra dos homens, ou
seja, de suas relações recíprocas, condicionadas pela sua pertença a um
processo temporal.


3.       os
historicistas rejeitam a filosofia da história do positivismo de Auguste Comte,
e a pretensão de reduzir as ciências históricas ao modelo das ciências
naturais, mas, assim como os positi­vistas eles valorizam a pesquisa concreta
dos fatos empíricos.

4.       os
historicistas também ressaltam a função crítica da filosofia assim como os
neocriticistas, ou seja, a filosofia deve ser voltada para a determinação das
condições de possibilidade, do funda­mento, do conhecimento e das atividades
humanas. Mas o historicismo amplia a crítica kantiana a todas as ciências,
inclusive as ciências histórico-sociais.


5.       O
historicismo também faz uma distinção entre história e natureza, distinção esta
que vai possibilitar analisar os objetos do conhecimento histórico como específicos,
no sentido de serem diferentes dos objetos do conhecimento natural.
A esse respeito nós falávamos de
Dilthey que separa as ciências da natureza que têm como objeto a observação
externa dos fenômenos e as ciências do espírito que têm com foco a observação
interna dos fenômenos, ou seja a experiência vivida.

6.       Isso
vai desembocar em uma outra característica do historicismo que é a busca pela
distinção das ciências histórico-sociais em relação às ciências naturais, e
investigar os motivos que fundamentam as ciências histórico-sociais como
conjuntos de conhecimentos válidos, isto é, objetivos.

7.       Também
ligado a isso, temos a idéia de que o conhecimento histórico reside na
individualidade dos produtos da cultura humana (mitos, leis, costumes, valores,
obras de arte, filosofias etc.), e essa individualidade é oposta ao caráter uniforme
e repetível dos objetos das ciências naturais.

8.       O
instrumento do conhecimento natural é a explicação causal (o Erklàren), o
instrumento do conhecimento histórico, segundo os historicistas, é a compreenção
(o Verstehen).

9.       Existe
uma idéia teleológica nas ações humanas, ou seja, ela tendem a fins, e os
acontecimentos humanos são sempre vistos e julgados na perspectiva de valores
precisos. Por isso, acabam surgindo teorias de valores mesmo na perspectiva
historicista.

Ou seja, as ciências naturais
parecem mais sólidas e objetivas, porque elas se baseiam numa observação
imediata dos fenômenos, mas nós sabemos que no caso do ser humano nós temos que
estar atentos à complexidade que o envolve. E é exatamente isso que levamos em
conta nessa décima e última característica que eu trago aqui:

10.   Para
os historicistas, o sujeito do conheci­mento não é o sujeito transcendental,
com suas funções a priori, como expôs Kant, mas sim homens concre­tos, históricos,
com capacidade de conhecer a realidade condicionada pelo horizonte e pelo
contex­to histórico em que vivem e atuam. Ou seja, para o historicista o
sujeito concreto é ponto de partida, é o ponto de apoio e é o ponto de chegada.
O interessante dessa abordagem é o reconhecimento não só da complexidade do ser
humano sobre a qual falei, mas também do dinamismo histórico e a sua
importância.

Houve abordagens que tentaram superar
essa visão historicista, como a do estruturalismo, por exemplo, mas talvez seja
viável a gente não jogar o bebê fora junto com a água do banho e buscar nessas
abordagens o que elas têm de útil para compreensão de nossa realidade atual e
até mesmo, da possibilidade de uma antropologia encarnada na história.


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

OS HEBREUS | PROF. CRISTIANO

Três fontes históricas para conhecimento dos hebreus: Torá (Petateuco), os vestígios arqueológicos, e os historidadores antigos como Flavio Josefo (do Séc I d.C).


Os hebreus eram povos que viviam do pastoreio perto da cidade de Ur, na Mesopotâmia. Conta a Bíblia, mais especificamente no Gênesis capítulo XII que no século 18 aC, Abraão deixou Ur, e, como primeiro patriarca, liderando os Judeus, e foi em busca de água e boas pastagens na denominada a Terra Prometida, segundo ele lugar que Deus reservou aos hebreus, que ficava Canaã, conhecida como Palestina.
Lá eles praticaram o pastoreio e a agricultura em pequenos grupos num contexto patriarcal, ou seja, com um chefe de família que organizava e determinava tudo. Os patriarcas mais citados na bíblia foram Abraão, Isaac e Jacó. Inclusive o nome Israelitas como denominação dos Judeus vem de Jacó que segundo relatos bíblicos, GN 35, passou a se chamar Israel (luta com deus).

No século XVII a.C., houve um longo período de seca na Palestina e os hebreus foram para o Egito que estava sob o domínio dos hicsos. Essa história está no final do livro do Gênesis e início do livro do Êxodo. Durante esse período, os hebreus viveram em liberdade, mas quando os egípcios expulsaram os hicsos de lá, os hebreus passaram a viver como escravos.

NO século XVII aC os hebreus rebelaram-se e fugiram para a Palestina, liderados por Moisés. No Capítulo 13 do livrio do êxodo A Bíblia diz que eles caminharam pelo deserto por quarenta anos.

Desobediência, Dez mandamentos êxodo 20

No livro de Josué da Bíblia, a o relato de que os hebreus, ao chegarem na Palestina a encontraram ocupada por outros povos. Então foi preciso lutar para reconquistá-la. Para isso, escolheram chefes militares, políticos e religiosos, chamados de juízes, para comandá-los. Os juízes que se destacaram foram Josué, sucessor de Moisés, Sansão e Samuel.

Depois de um tempo, os hebreus conseguiram a Palestina e para diminuir as divisões internas resolveram entregar o comando de todas as tribos a um rei, o Saul, estabelecendo a monarquia hebraica. Esse fato é descrito no livro de Samuel. O sucessor de Saul foi Davi, o responsável por completar a conquista da Palestina e transformar a cidade de Jerusalém em capital do reino.

Depois de Davi, o rei foi seu filho, Salomão. Em seu reinado, a Palestina prosperou muito pois Salomão fortaleceu o exército, ampliou o comércio com a África e Arábia e ordenou a construção de grandiosas obras, como o Templo de Jerusalém, também conhecido como Templo de Salomão. Dia a bíblia que Salomão foi o rei mais sábio de Israel.

Em no século X, Salomão faleceu. A partir daí iniciaram-se diversas disputas políticas entre os próprios hebreus, levando à divisão do reino em dois: o Reino de Israel, situado ao norte e formado por dez tribos e tendo como capital Samaria; e o Reino de Judá, ao sul, composto por duas tribos e com capital em Jerusalém.

A partir dessa divisão houve um enfraquecimento dos reinos e em 722 a.C., os assírios conquistaram o Reino de Israel e em 587 a.C., o rei Nabucodonosor, do Novo Império Babilônico, dominou o Reino de Judá, destruiu o Templo de Jerusalém e levou os hebreus para a Babilônia onde viveram como prisioneiros. Os hebreus viveram nessa situação até 539 a.C., quando os persas conquistaram a Babilônia e permitiu que os hebreus voltassem para a Palestina, onde reconstruíram o Templo de Jerusalém.


Os hebreus continuaram sendo dominados por outros povos, como os romanos. Já no ano 70 d.C., os judeus revoltaram-se contra a dominação de Roma que respondeu com a destruição do segundo Templo de Jerusalém e usando da violência contra os judeus. A partir daí teve inicio a diáspora, isto é, a dispersão dos judeus pelo mundo.