Ele nunca agira com desonestidade, mas se revoltava
contra os homens que abusavam de sua situação para maltratar os outros. Quando
falava, todos paravam para escutá-lo admirados com o caráter de quem sabe o que
fala e tem certeza do que faz.
Certa ocasião, ao passar em frente de uma loja de
revólveres, avistou um belo calibre, mas nada entendia sobre suas
classificações. Entrou e observou a todos os revólveres presentes na loja.
Todos eles eram belíssimos e ficariam muito bem em sua cintura. Mas não
alimentou a vontade de possuí-los. Quando fez menção de sair, o vendedor parou
em sua frente e cumprimentou-o fervorosamente:
- Mas vejam só se não é o Senhor Otávio! Finalmente veio
conhecer a minha loja!
- Não se vislumbre com isso, só estava de passagem e, me
senti revoltado contra o dono de uma loja de armas como esta. Já estava pronto
a declarar a minha posição de quem não é a favor de nada que possa produzir
violência.
- Então você acha que eu vendo armas para bandidos? Não
se engane! Bandidos não compram armas em lojas. Estas aqui são vendidas não
para serem usadas contra as pessoas, mas a favor delas.
- De qualquer forma, o cidadão comum tem quem o defenda!
Falando isso, saiu e bateu o pé, como se protestasse
contra aquele amigo e, lentamente, prosseguiu seu caminho. Ao se aproximar de
um táxi, viu à sua frente um rapaz de estranha aparência, tatuado, cabelo
descolorado na franja, uma bala de revólver enfiada na orelha e, de óculos
escuro. Viu também um velhinho com uma bengala que, passando em frente a este
rapaz, caía pesadamente no meio do passeio. Correu para segurar o velhinho, mas,
já era tarde, este, sobre o chão, morreu imediatamente ao bater a cabeça num
meio fio (sempre o culpado de vários acidentes). Otávio não se conteve, seu
sangue subiu ao cérebro e fez uma enorme pressão; “como há tanta crueldade num
coração capaz de maltratar um velhinho como aquele?”. E, cheio de cólera,
arrancou de um cortador de unha com um acessório de canivete e fincou-o
profundamente no rapaz. Todos na rua assistiam tácitos de medo. Um comentava:
“aquele senhor enlouqueceu!!!”. Outro corria em sua direção e com um soco o
desmaiou. Quando acordou estava no hospital e, ao lado, dois soldados que o
esperavam impacientemente. Dias depois, no julgamento, não pôde se defender
quando escutou a acusação contra si:
- Meritíssimo juiz, não venho inventar contos para
defender o meu cliente. Não tenho intenção disso, tenho testemunhas que podem
dizer claramente a verdade dos fatos.
- Meritíssimo juiz, senhores jurados, estive no local da
tentativa de homicídio e presenciei os fatos. Este rapaz ainda convalescente,
excêntrico na verdade, porém dócil, estava parado no ponto de ônibus, quando
viu aproximar-se um velhinho que aparentava uns sessenta anos de idade e se
afastou para que este passasse. Quando o velhinho se aproximou firmou todo o
seu peso sobre a bengala e, percebi que esta estava sobre o pé deste rapaz.
Ele, imediatamente, puxou o pé, mas com ele também puxou a bengala do pobre
velho. Este senhor, aparentando bêbado, puxou de uma faca e atacou o rapaz. Mas
logo foi imobilizado por outro rapaz que saíra do táxi.
Hoje Otávio saiu da cadeia, mas já não é mais admirado
por suas palavras. Comprou aquele belo calibre que admirava, mas não tinha
coragem de comprar. É incólume a qualquer injustiça contra outrem, mas aprendeu
uma coisa: a verdade não está nos olhos de quem vê, mas naquilo que é visto.
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