quarta-feira, 23 de março de 2016

A ira é má conselheira



            Ele nunca agira com desonestidade, mas se revoltava contra os homens que abusavam de sua situação para maltratar os outros. Quando falava, todos paravam para escutá-lo admirados com o caráter de quem sabe o que fala e tem certeza do que faz.

            Certa ocasião, ao passar em frente de uma loja de revólveres, avistou um belo calibre, mas nada entendia sobre suas classificações. Entrou e observou a todos os revólveres presentes na loja. Todos eles eram belíssimos e ficariam muito bem em sua cintura. Mas não alimentou a vontade de possuí-los. Quando fez menção de sair, o vendedor parou em sua frente e cumprimentou-o fervorosamente:

            - Mas vejam só se não é o Senhor Otávio! Finalmente veio conhecer a minha loja!

            - Não se vislumbre com isso, só estava de passagem e, me senti revoltado contra o dono de uma loja de armas como esta. Já estava pronto a declarar a minha posição de quem não é a favor de nada que possa produzir violência.

            - Então você acha que eu vendo armas para bandidos? Não se engane! Bandidos não compram armas em lojas. Estas aqui são vendidas não para serem usadas contra as pessoas, mas a favor delas.

            - De qualquer forma, o cidadão comum tem quem o defenda!

            Falando isso, saiu e bateu o pé, como se protestasse contra aquele amigo e, lentamente, prosseguiu seu caminho. Ao se aproximar de um táxi, viu à sua frente um rapaz de estranha aparência, tatuado, cabelo descolorado na franja, uma bala de revólver enfiada na orelha e, de óculos escuro. Viu também um velhinho com uma bengala que, passando em frente a este rapaz, caía pesadamente no meio do passeio. Correu para segurar o velhinho, mas, já era tarde, este, sobre o chão, morreu imediatamente ao bater a cabeça num meio fio (sempre o culpado de vários acidentes). Otávio não se conteve, seu sangue subiu ao cérebro e fez uma enorme pressão; “como há tanta crueldade num coração capaz de maltratar um velhinho como aquele?”. E, cheio de cólera, arrancou de um cortador de unha com um acessório de canivete e fincou-o profundamente no rapaz. Todos na rua assistiam tácitos de medo. Um comentava: “aquele senhor enlouqueceu!!!”. Outro corria em sua direção e com um soco o desmaiou. Quando acordou estava no hospital e, ao lado, dois soldados que o esperavam impacientemente. Dias depois, no julgamento, não pôde se defender quando escutou a acusação contra si:

            - Meritíssimo juiz, não venho inventar contos para defender o meu cliente. Não tenho intenção disso, tenho testemunhas que podem dizer claramente a verdade dos fatos.

            - Meritíssimo juiz, senhores jurados, estive no local da tentativa de homicídio e presenciei os fatos. Este rapaz ainda convalescente, excêntrico na verdade, porém dócil, estava parado no ponto de ônibus, quando viu aproximar-se um velhinho que aparentava uns sessenta anos de idade e se afastou para que este passasse. Quando o velhinho se aproximou firmou todo o seu peso sobre a bengala e, percebi que esta estava sobre o pé deste rapaz. Ele, imediatamente, puxou o pé, mas com ele também puxou a bengala do pobre velho. Este senhor, aparentando bêbado, puxou de uma faca e atacou o rapaz. Mas logo foi imobilizado por outro rapaz que saíra do táxi.

            Hoje Otávio saiu da cadeia, mas já não é mais admirado por suas palavras. Comprou aquele belo calibre que admirava, mas não tinha coragem de comprar. É incólume a qualquer injustiça contra outrem, mas aprendeu uma coisa: a verdade não está nos olhos de quem vê, mas naquilo que é visto.

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