terça-feira, 22 de março de 2016

O Coveiro Medroso




            Quarenta anos trabalhou arduamente na rotina de furar e tapar covas. Nunca pareceu ter medo da morte, mas não ousava desafiá-la. Morava no Campo Santo, saía durante a manhã para comprar o básico para a sua sobrevivência solitária, mas voltava rapidamente. Parecia ter mais medo dos vivos que dos mortos.
            Certa noite, quando acabava de furar a cova do enterro do dia seguinte, sentiu algo puxar-lhe a perna. E, com um chute certeiro, matou a galinha a lhe incomodar. Esta caiu na cova que acabara de fazer. Caminhou em direção ao cômodo em que residia e viu uma forte luz que se aproximava. Lembrou-se das últimas notícias vindas do sul de Minas que falavam da existência de um tal chupa-cabras cujo aparecimento procedia de uma semelhante luz no dito das pessoas, porém não hesitou, com uma picareta se punha de forma a defender-se contra qualquer coisa que viesse lhe incomodar naquela noite de lua nova. Quando chegou perto, a luz se apagou e a escuridão tomou conta de tudo. Naquela manhã esquecera de comprar velas e a última já se acabava. Entrou em seu barraco e tentou acender as luzes, mas não havia energia elétrica. Apalpando no escuro as paredes, conseguiu encontrar a lanterna que usava, todavia as pilhas já estavam gastas. Resolveu deitar-se e esperar pelo amanhecer. A noite ia longa, o relógio também parou, dava cordas no mesmo sempre que ia se deitar, mas naquela noite não se lembrou. Tudo parecia anteceder a algo inimaginável. Seu coração batia forte, o medo ausente há tanto tempo, agora ressurgia como a alça de um caixão. Começou a rezar desesperadamente pulando de uma oração para outra, de uma ejaculatória para um pedido exacerbado de perdão a Deus pela vida que poderia ter sido e não foi. Nem seu gato, preto como a noite, aparecia para espantar a solidão que sentia.
            De repente uma luz entrou pela porta, alguém ou alguma coisa se aproximava. Pensou: “se for alguma alma penada poderá me fazer companhia”. Todavia, sorrateiramente, entraram dois homens que, gritando, o deixavam estupefato. Era um assalto. Amarraram-no e iam juntando as poucas coisas que podiam encontrar em tão humilde habitação. E saíram rapidamente antes que alguém desconfiasse e chamasse a polícia. O coveiro desmaiou e só acordou no outro dia quando o desamarraram da cadeira e imobilizavam o seu braço quebrado pelo tombo. Um dos ladrões era socorrido pelos bombeiros ao afundar numa velha cova durante a noite e outro, ninguém sabe porquê, morrera misteriosamente abraçado com uma galinha e um gato preto dentro de uma cova que seria usada naquele dia.
            Eram sete horas da manhã e o coveiro apanhou o jornal do dia anterior, que esquecera na porta de seu barraco, com os seguintes dizeres: “O racionamento de energia elétrica não foi o suficiente para evitar o ‘apagão’ que acontecerá nesta noite”. 

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