Quarenta anos trabalhou arduamente na rotina de furar e
tapar covas. Nunca pareceu ter medo da morte, mas não ousava desafiá-la. Morava
no Campo Santo, saía durante a manhã para comprar o básico para a sua
sobrevivência solitária, mas voltava rapidamente. Parecia ter mais medo dos
vivos que dos mortos.
Certa noite, quando acabava de furar a cova do enterro do
dia seguinte, sentiu algo puxar-lhe a perna. E, com um chute certeiro, matou a
galinha a lhe incomodar. Esta caiu na cova que acabara de fazer. Caminhou em
direção ao cômodo em que residia e viu uma forte luz que se aproximava.
Lembrou-se das últimas notícias vindas do sul de Minas que falavam da
existência de um tal chupa-cabras cujo aparecimento procedia de uma semelhante
luz no dito das pessoas, porém não hesitou, com uma picareta se punha de forma
a defender-se contra qualquer coisa que viesse lhe incomodar naquela noite de
lua nova. Quando chegou perto, a luz se apagou e a escuridão tomou conta de
tudo. Naquela manhã esquecera de comprar velas e a última já se acabava. Entrou
em seu barraco e tentou acender as luzes, mas não havia energia elétrica.
Apalpando no escuro as paredes, conseguiu encontrar a lanterna que usava,
todavia as pilhas já estavam gastas. Resolveu deitar-se e esperar pelo
amanhecer. A noite ia longa, o relógio também parou, dava cordas no mesmo
sempre que ia se deitar, mas naquela noite não se lembrou. Tudo parecia
anteceder a algo inimaginável. Seu coração batia forte, o medo ausente há tanto
tempo, agora ressurgia como a alça de um caixão. Começou a rezar
desesperadamente pulando de uma oração para outra, de uma ejaculatória para um
pedido exacerbado de perdão a Deus pela vida que poderia ter sido e não foi.
Nem seu gato, preto como a noite, aparecia para espantar a solidão que sentia.
De repente uma luz entrou pela porta, alguém ou alguma
coisa se aproximava. Pensou: “se for alguma alma penada poderá me fazer
companhia”. Todavia, sorrateiramente, entraram dois homens que, gritando, o
deixavam estupefato. Era um assalto. Amarraram-no e iam juntando as poucas
coisas que podiam encontrar em tão humilde habitação. E saíram rapidamente
antes que alguém desconfiasse e chamasse a polícia. O coveiro desmaiou e só
acordou no outro dia quando o desamarraram da cadeira e imobilizavam o seu
braço quebrado pelo tombo. Um dos ladrões era socorrido pelos bombeiros ao
afundar numa velha cova durante a noite e outro, ninguém sabe porquê, morrera
misteriosamente abraçado com uma galinha e um gato preto dentro de uma cova que
seria usada naquele dia.
Eram sete horas da manhã e o coveiro apanhou o jornal do
dia anterior, que esquecera na porta de seu barraco, com os seguintes dizeres:
“O racionamento de energia elétrica não foi o suficiente para evitar o ‘apagão’
que acontecerá nesta noite”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário