terça-feira, 22 de março de 2016

O vendedor de lenços


            Godói já estava se desanimando de sua profissão. Durante anos vendera lenços em velórios, hospitais, teatros, enfim, onde pudesse encontrar alegria ou tristeza capazes de arrancar lágrimas. Tinhas todos os tipos de lenços para as diversas ocasiões. Se seus lenços pudessem dizer qual era o verdadeiro sentimento de quem os usava, poderiam acabar com o mercado de lenços de Godói, ao mostrar o fingimento presente em muitas lágrimas hipócritas.
            Correu o tempo e surgiram as máquinas avançadíssimas. As pessoas, preocupadas em seguir o ritmo da máquina, passaram a não se preocupar mais com a morte e nem com a vida. Todo sentimento se tornou banal diante de um mundo capitalista neoliberal e globalizado. Godói já não possuía os volumosos lucros que obtivera após a Segunda Guerra mundial, mas não perdia as esperanças: “sempre, em algum lugar, haveria alguém a sofrer e a chorar, ou a rir e se emocionar”: era a sua rima predileta. Mas, o negócio não ia bem. As pessoas continuavam sofrendo, emocionando, mas não choravam mais. Será que algum lenço preguiçoso dera com a língua nos dentes? Não sabia explicar o que acontecia. De uma crise e de outra as pessoas saíam, mas não mais colaboravam para o sustento de Godói.
            Atônito, Godói contemplava os lenços espalhados pelo chão a trazer-lhe as lembranças dos tempos de outrora. Tempos bons aqueles, nos quais as mocinhas compravam lenços rendados para jogá-los ao chão propositadamente para serem apanhados por cavalheiros já não existentes, em que viúvas compravam lenços pretos e os exibiam em todas as celebrações como uma prova de seu sofrimento, em que os rapazes garbosamente vestidos os compravam como último toque de realce em seu terno... Ah! Tempos que não voltariam. Pensando nisso, Godói chorou e, pela primeira vez durante todos aqueles anos, usou um de seus lenços. Quando caiu em si, deu-se com sua realidade e, como um tiro de misericórdia àquele empreendimento que não iria adiante, juntou-os numa lata e pôs fogo. Os lenços em chama exibiam um fogo colorido e, com eles, queimavam o sentido que Godói dera à sua existência. Era o fim.
            No outro dia, assistindo ao noticiário da tarde, escutou: “deputados e senadores choram emocionados após a tragédia americana que determinou a alta do dólar, quebra da bolsa de valores e um desastre para a economia nacional”. Decidiu mudar-se para Brasília, lá com certeza encontraria fregueses que, em certas ocasiões, exibiriam seus lenços como prova de seu caráter. Nem tudo estava perdido.

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