Luiza
sempre fora destemida. Enfrentava os desafios que lhe apareciam com
uma aparente serenidade. Não era de se esperar que uma moça
provinda de família tão problemática seria tão lúcida e
convicta. Sua mãe ficara louca quando o filho suicidou-se por saber-se portador do
vírus da Aids. Seu pai estava preso por tráfico de drogas. Mas, ela
não parecia herdar nem mesmo uma gota de sangue tão vil e
maledicente.
Num
internato, pago pela tia, crescera sem almejar muito. Não sonhava.
Aprendera com uma das freiras professoras que nada se tem a esperar
da vida, ela é simplesmente um tempo efêmero e, por melhor que seja
vivida, fugaz.
Certa
ocasião, Luiza resolveu procurar um psicólogo e contar-lhe tudo o
que estava reprimido e recalcado em seu ego.
-
Doutor, vim aqui para me livrar de um peso imenso que recai sobre
minhas costas. Há anos que venho provar para mim mesma e para o
mundo que sou capaz de enfrentar a vida e ganhar as suas batalhas,
mas me vejo terrivelmente só, desesperada, e, muitas vezes, a um
passo do suicídio...
Dizendo
isso, Luíza deixou de olhar para um ponto distante na parede, e se
virou para o psicólogo tentando reconhecer nele uma feição de
aprovação ou desaprovação do que dizia. Mas, imóvel, ele
escrevia sem parar. Luiza continuou:
- Doutor, acho que ninguém gosta de mim. Todos se incomodam com minha presença. Quando vejo as pessoas em grupo imagino o que estão falando contra mim. E quando me aproximo percebo que mudam de assunto...
- Doutor, acho que ninguém gosta de mim. Todos se incomodam com minha presença. Quando vejo as pessoas em grupo imagino o que estão falando contra mim. E quando me aproximo percebo que mudam de assunto...
Novamente
Luiza se incomodava. Olhava para seu psicólogo e não notava nenhuma
mudança em seu semblante, contudo prosseguia.
-
Quando tento ajudar às pessoas sou julgada como se tivesse me
intrometendo em suas vidas. Só preocupo com o bem das pessoas, mas
não tiro nem um proveito disso, talvez seja a visão que eles têm
de mim. Será que tenho que ser como minha família? Ninguém pode me
olhar com os olhos de quem consegue superar os seus desafios? Ninguém
me compreende. Será isso complexo de inferioridade, doutor?
O
silêncio do psicólogo foi quebrado com várias frases ditas em tom
severo, mãos gesticulando acusação e olhar firme:
-
Teu orgulho é evidente e tua hipocrisia aparente. Diante de tudo
isso, pensaste alguma vez como és hipócrita? Imaginas ser o centro
do mundo e, quando não és satisfeita, apelas para várias atitudes:
finge-te de coitada para atrair compaixão das pessoas que te
rodeiam, ages contra a moralidade para determinar reações de
pessoas a te colocarem em destaque... Tu nunca foste o que dizes ser.
Nunca serás o que almejas ser. Escondes teu egoísmo com a máscara
do amor ao próximo quando na verdade, mesmo que não pareça receber
nada em troca do que fazes, és preenchida pela falsa paz originada
por tua influência na vida de outro.
Luiza
não compreendia coisa alguma. Não esperava escutar aquilo. Mas,
imediatamente, levantou-se e disse efusivamente:
-
Doutor, mas você não pode negar que consegui superar muitos
desafios em minha vida. Nada me pareço com aqueles com os quais sou
confundida!
-
Mostras-te corajosa e destemida diante dos desafios da vida, mas és
tu mesma que os provocas. Enganas a ti mesma quando superas um destes
desafios, como se houvesse a necessidade da existência do mesmo.
Assumes um caminho cheio de pedras para envaidecer-se quando delas se
desviar e, com isso, alongas a caminhada...
Luiza
deixou aquele lugar, tremendo de raiva contra aquele homem. Não teve
dificuldades em chegar à sua casa. Pensou em suicidar-se, mas
deveria viver para provar a mais uma pessoa do que era capaz.
No
outro dia, ao pegar o jornal, avistou em letras garrafais:
PSICÓLOGO
MORRE DE ENFARTE EM SEU ESCRITÓRIO
Luiza
não teve dúvidas. Era ele. Pegou um táxi e foi ao local do velório
indicado no jornal, o próprio consultório. Chegando lá, rumou ao
caixão. Quando se aproximou observou o rosto do psicólogo, o mesmo
do dia anterior. Não havia muitas pessoas, nem desespero. Luiza
sentou-se e se escorou na estante derrubando alguns livros. Quando
apanhou um deles e ia colocando de volta à estante, reparou que se
tratava de um livro que estava nas mãos de seu psicólogo no dia
anterior, mas não o abriu, somente leu: AUTODESTRUIÇÃO: UMA CRÍTICA AOS LIVROS DE AUTOAUJDA.
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