sexta-feira, 18 de março de 2016

Psicólogo


Luiza sempre fora destemida. Enfrentava os desafios que lhe apareciam com uma aparente serenidade. Não era de se esperar que uma moça provinda de família tão problemática seria tão lúcida e convicta. Sua mãe ficara louca quando o filho suicidou-se por saber-se portador do vírus da Aids. Seu pai estava preso por tráfico de drogas. Mas, ela não parecia herdar nem mesmo uma gota de sangue tão vil e maledicente.
Num internato, pago pela tia, crescera sem almejar muito. Não sonhava. Aprendera com uma das freiras professoras que nada se tem a esperar da vida, ela é simplesmente um tempo efêmero e, por melhor que seja vivida, fugaz.
Certa ocasião, Luiza resolveu procurar um psicólogo e contar-lhe tudo o que estava reprimido e recalcado em seu ego.
- Doutor, vim aqui para me livrar de um peso imenso que recai sobre minhas costas. Há anos que venho provar para mim mesma e para o mundo que sou capaz de enfrentar a vida e ganhar as suas batalhas, mas me vejo terrivelmente só, desesperada, e, muitas vezes, a um passo do suicídio...
Dizendo isso, Luíza deixou de olhar para um ponto distante na parede, e se virou para o psicólogo tentando reconhecer nele uma feição de aprovação ou desaprovação do que dizia. Mas, imóvel, ele escrevia sem parar. Luiza continuou:
- Doutor, acho que ninguém gosta de mim. Todos se incomodam com minha presença. Quando vejo as pessoas em grupo imagino o que estão falando contra mim. E quando me aproximo percebo que mudam de assunto...
Novamente Luiza se incomodava. Olhava para seu psicólogo e não notava nenhuma mudança em seu semblante, contudo prosseguia.
- Quando tento ajudar às pessoas sou julgada como se tivesse me intrometendo em suas vidas. Só preocupo com o bem das pessoas, mas não tiro nem um proveito disso, talvez seja a visão que eles têm de mim. Será que tenho que ser como minha família? Ninguém pode me olhar com os olhos de quem consegue superar os seus desafios? Ninguém me compreende. Será isso complexo de inferioridade, doutor?
O silêncio do psicólogo foi quebrado com várias frases ditas em tom severo, mãos gesticulando acusação e olhar firme:
- Teu orgulho é evidente e tua hipocrisia aparente. Diante de tudo isso, pensaste alguma vez como és hipócrita? Imaginas ser o centro do mundo e, quando não és satisfeita, apelas para várias atitudes: finge-te de coitada para atrair compaixão das pessoas que te rodeiam, ages contra a moralidade para determinar reações de pessoas a te colocarem em destaque... Tu nunca foste o que dizes ser. Nunca serás o que almejas ser. Escondes teu egoísmo com a máscara do amor ao próximo quando na verdade, mesmo que não pareça receber nada em troca do que fazes, és preenchida pela falsa paz originada por tua influência na vida de outro.
Luiza não compreendia coisa alguma. Não esperava escutar aquilo. Mas, imediatamente, levantou-se e disse efusivamente:
- Doutor, mas você não pode negar que consegui superar muitos desafios em minha vida. Nada me pareço com aqueles com os quais sou confundida!
- Mostras-te corajosa e destemida diante dos desafios da vida, mas és tu mesma que os provocas. Enganas a ti mesma quando superas um destes desafios, como se houvesse a necessidade da existência do mesmo. Assumes um caminho cheio de pedras para envaidecer-se quando delas se desviar e, com isso, alongas a caminhada...
Luiza deixou aquele lugar, tremendo de raiva contra aquele homem. Não teve dificuldades em chegar à sua casa. Pensou em suicidar-se, mas deveria viver para provar a mais uma pessoa do que era capaz.
No outro dia, ao pegar o jornal, avistou em letras garrafais:
PSICÓLOGO MORRE DE ENFARTE EM SEU ESCRITÓRIO
Luiza não teve dúvidas. Era ele. Pegou um táxi e foi ao local do velório indicado no jornal, o próprio consultório. Chegando lá, rumou ao caixão. Quando se aproximou observou o rosto do psicólogo, o mesmo do dia anterior. Não havia muitas pessoas, nem desespero. Luiza sentou-se e se escorou na estante derrubando alguns livros. Quando apanhou um deles e ia colocando de volta à estante, reparou que se tratava de um livro que estava nas mãos de seu psicólogo no dia anterior, mas não o abriu, somente leu: AUTODESTRUIÇÃO: UMA CRÍTICA AOS LIVROS DE AUTOAUJDA.

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