Lembro-me como se fosse há
um minuto atrás. Ela entrou e sentou-se ao meu lado. O ônibus estava lotando
aos poucos, mas o frio continuava intenso. Segui-a com os olhos até que ela
tocou em mim e pediu-me licença para sentar-se próxima à janela. Estremeci da
cabeça aos pés, sua voz era tão doce quanto à da bala que comprei na mão de um
garoto que as vendia dentro do ônibus com um conhecido discurso do “eu não sou
ladrão...”.
Queria dizer algo àquela que tocou no meu coração sem se
dar conta, mas não tinha coragem. Timidamente, olhava para o chão e para as
pessoas que circulavam apressadas no passeio naquele fim de tarde, daquela
grande cidade.
Pensei em lhe
perguntar as horas, mas meu relógio estava visível em meu braço. Pensei em
justificar minha pergunta pelo atraso de meu relógio, mas notei que ela não
tinha relógio. Qualquer atitude de minha parte poderia ser tomada como um
galanteio incômodo a ela, então decidi não fazer nada até que, virando-se para
mim, perguntou-me amavelmente:
- O senhor poderia me informar as horas?
- Como?
- Eu perguntei se poderia me informar as horas.
- Mas não entendi o que quis dizer com “o senhor”, quantos anos acha
que eu tenho.
- Uns vinte! Mas tenho este costume quando converso com pessoas
desconhecidas.
- Ah! Se este é o problema, não serei mais desconhecido! Meu nome é
Antônio e o seu?
- O meu nome é Heloísa. Mas, me responda, quantas horas são?
- Desculpe-me, me esqueci! São seis e meia.
- Obriga...Atchim...desculpe!
- Saúde! Esta poluição da cidade grande também me faz mal.
- Não é a poluição, é gripe mesmo. Ontem, eu e meu marido pegamos um
pé d’água e estamos, ambos, com sinais de resfriado.
Não tive mais assunto. O pé d’água que pegara no dia anterior, ela o
guardou e o jogou em mim naquele momento. Só então, reparei em seu dedo a
aliança de casamento.
Dormi tarde ontem e hoje não fui trabalhar. Não me animei a sair da
cama. Nada guardei daquela bela moça, apenas este resfriado.
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