Era dia de greve. Todos iriam para as ruas e mostrariam
ao povo a sua revolta por um emprego tão mal reconhecido. José Pulso Ferro
comandaria a passeata até a porta da prefeitura. Silenciosamente toda a
multidão de operários se avolumou à sua frente esperando um sinal ou uma
palavra para que começasse a balbúrdia esperada. Havia até mesmo alguns
estudantes que, desviando do caminho da escola, diziam estar dispostos a
colaborar com um movimento por tão justa causa. Pulso de Ferro não dizia nada,
caminhou lentamente e todos o seguiram. Alguns pensavam: “Belíssima estratégia,
assim, sem algazarra, nem perceberão quando o prédio da prefeitura estiver
tomado por nossa gente e será tarde demais para nos fazer voltar atrás através
de repressão policial”.
Pulso Ferro não dizia coisa alguma. Vez por outra tirava
um cigarro do bolso para acendê-lo no próprio cigarro que acabava de fumar. Não
parecia nervoso, mas seu rosto demonstrava a revolta de quem se sente
ludibriado com um mísero salário que só dava para pagar os maços de cigarro e a
comida. Todos estavam esperançosos e, mais ainda ficaram quando, ao chegar lá
perceberam o palanque montado em cima de um caminhão da prefeitura. José Pulso
Ferro não teve nem mesmo o trabalho de subir, todos o colocaram sobre o
palanque e começavam a balbúrdia tão esperada.
Pulso Ferro não tinha escolha, ou melhor, era o escolhido
para ser o porta-voz dos sem voz e a vez dos sem vez. Quando se aproximou do
microfone ligou-o e um grande ruído de microfonia quase ensurdeceu a todos.
Então falou num tom de revolta que muito incentivou àquela multidão de
operários a gritar cada vez mais:
- O que viemos fazer aqui, viemos reivindicar o quê?
Viemos reivindicar o que é do nosso direito. Mas o que é do nosso direito?
Ninguém silenciava, quanto mais Pulso Ferro falava sem
chegar a lugar algum, mais a multidão alardeava:
- Berro, berro, berro, Pulso Ferro é o nosso berro.
- Viemos sim reivindicar, mas, meus companheiros,
conhecemos a situação do país. Sabemos as milhões de especulações pelas quais
nos tapearam fingindo estar pensando numa solução para a nossa situação. E
agora, o que fazer? Chamar a população para estar ao nosso lado? Mas ninguém
estará, pois a mídia já lhes incutiu uma imagem negativa do que somos. Estes
estudantes que nos acompanham nem mesmo sabem o motivo que nos leva a fazer o
que estamos fazendo agora, foram atraídos pela magia do diferente. E o
prefeito, onde está? Não ouvirá nem mesmo uma gravação do que estamos
reivindicando, pois já se encontra longe. Não se iludam meus companheiros, a
história é a mesma: o leite das crianças, o arroz com feijão de cada dia, a
construção de um cômodo para fugir do aluguel... Estas dificuldades nós
continuaremos enfrentando porque é nossa sina...
Todos continuavam gritando. E sentiam uma enorme força
surgir das palavras de Pulso Ferro. Realmente ninguém entendeu uma só palavra
do que ele lhes dissera, nem mesmo os policiais que, para acabar com aquela
algazarra, lançavam bombas de gás lacrimogêneo e prendiam Pulso Ferro. Um
batalhão de choque com bombas e armas de fogo das mais avançadas enfrentava os
manifestantes fortemente armados com pedras e paus.
Hoje, depois de longo tempo após aquela manifestação,
outra manifestação foi convocada e, novamente, Pulso Ferro é colocado sobre o
palanque e diz:
- Há vinte anos atrás, estávamos aqui, para reivindicar
pelos nossos direitos. E quais são os nossos direitos? E quais são os nossos
direitos?
A voz de Pulso Ferro se mistura com a voz do povo que
grita sem parar:
- Berro, berro, berro Pulso Ferro é nosso berro.
E todos acreditam firmemente que não serão impedidos de
proclamar sua revolta, pois Pulso Ferro é o seu berro.
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