segunda-feira, 21 de março de 2016

O revolucionário pessimista


            Era dia de greve. Todos iriam para as ruas e mostrariam ao povo a sua revolta por um emprego tão mal reconhecido. José Pulso Ferro comandaria a passeata até a porta da prefeitura. Silenciosamente toda a multidão de operários se avolumou à sua frente esperando um sinal ou uma palavra para que começasse a balbúrdia esperada. Havia até mesmo alguns estudantes que, desviando do caminho da escola, diziam estar dispostos a colaborar com um movimento por tão justa causa. Pulso de Ferro não dizia nada, caminhou lentamente e todos o seguiram. Alguns pensavam: “Belíssima estratégia, assim, sem algazarra, nem perceberão quando o prédio da prefeitura estiver tomado por nossa gente e será tarde demais para nos fazer voltar atrás através de repressão policial”.
            Pulso Ferro não dizia coisa alguma. Vez por outra tirava um cigarro do bolso para acendê-lo no próprio cigarro que acabava de fumar. Não parecia nervoso, mas seu rosto demonstrava a revolta de quem se sente ludibriado com um mísero salário que só dava para pagar os maços de cigarro e a comida. Todos estavam esperançosos e, mais ainda ficaram quando, ao chegar lá perceberam o palanque montado em cima de um caminhão da prefeitura. José Pulso Ferro não teve nem mesmo o trabalho de subir, todos o colocaram sobre o palanque e começavam a balbúrdia tão esperada.
            Pulso Ferro não tinha escolha, ou melhor, era o escolhido para ser o porta-voz dos sem voz e a vez dos sem vez. Quando se aproximou do microfone ligou-o e um grande ruído de microfonia quase ensurdeceu a todos. Então falou num tom de revolta que muito incentivou àquela multidão de operários a gritar cada vez mais:
            - O que viemos fazer aqui, viemos reivindicar o quê? Viemos reivindicar o que é do nosso direito. Mas o que é do nosso direito?
            Ninguém silenciava, quanto mais Pulso Ferro falava sem chegar a lugar algum, mais a multidão alardeava:
            - Berro, berro, berro, Pulso Ferro é o nosso berro.
            - Viemos sim reivindicar, mas, meus companheiros, conhecemos a situação do país. Sabemos as milhões de especulações pelas quais nos tapearam fingindo estar pensando numa solução para a nossa situação. E agora, o que fazer? Chamar a população para estar ao nosso lado? Mas ninguém estará, pois a mídia já lhes incutiu uma imagem negativa do que somos. Estes estudantes que nos acompanham nem mesmo sabem o motivo que nos leva a fazer o que estamos fazendo agora, foram atraídos pela magia do diferente. E o prefeito, onde está? Não ouvirá nem mesmo uma gravação do que estamos reivindicando, pois já se encontra longe. Não se iludam meus companheiros, a história é a mesma: o leite das crianças, o arroz com feijão de cada dia, a construção de um cômodo para fugir do aluguel... Estas dificuldades nós continuaremos enfrentando porque é nossa sina...
            Todos continuavam gritando. E sentiam uma enorme força surgir das palavras de Pulso Ferro. Realmente ninguém entendeu uma só palavra do que ele lhes dissera, nem mesmo os policiais que, para acabar com aquela algazarra, lançavam bombas de gás lacrimogêneo e prendiam Pulso Ferro. Um batalhão de choque com bombas e armas de fogo das mais avançadas enfrentava os manifestantes fortemente armados com pedras e paus.
            Hoje, depois de longo tempo após aquela manifestação, outra manifestação foi convocada e, novamente, Pulso Ferro é colocado sobre o palanque e diz:
            - Há vinte anos atrás, estávamos aqui, para reivindicar pelos nossos direitos. E quais são os nossos direitos? E quais são os nossos direitos?
            A voz de Pulso Ferro se mistura com a voz do povo que grita sem parar:
            - Berro, berro, berro Pulso Ferro é nosso berro.
            E todos acreditam firmemente que não serão impedidos de proclamar sua revolta, pois Pulso Ferro é o seu berro.

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