terça-feira, 29 de março de 2016

Ironia do destino








            Ir a reunião e discutir sobre a globalização. Falar que é contra a globalização. Sair da reunião sobre globalização. Entrar no próprio escritório. Rasgar um panfleto que anuncia a nova promoção da Coca-cola. Escrever uma dissertação contra a globalização. Apresentar a dissertação contra a globalização ao editor do jornal. Esperar o gesto de aprovação e sentar-se novamente ao escritório. Pensar nas crianças dos países da África barrigudinhas, mas com fome. Pensar no carro importado que nunca elas terão e, apertando a mão contra os punhos, dizer em voz alta: “é por isso que eu sou contra a globalização”. Ler um artigo recém-publicado falando da seca no nordeste. Ler outro artigo falando do aumento da taxa de juros da eterna dívida externa e pensar: “é por isso que eu sou contra globalização”. Pedir um suco de laranja nacional pelo telefone e escrever um artigo criticando o “Amor paterno do FMI aos países subdesenvolvidos”. Revoltar-se contra a globalização. Ficar com raiva, pois não há mais suco natural nacional e as laranjas boas foram todas exportadas. Reafirmar que é por isso que é contra a globalização. Amaldiçoar os tratados de livre comércio. Xingar a mãe do presidente dos EUA. Falar que é contra a globalização. Desistir de lanchar, pois só há Coca-cola para beber. Ir para casa com semblante de revolta. Atravessar a rua Gonçalves Dias e morrer atropelado por um caminhão da Coca-cola onde está escrito: “Gostoso é viver”.

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