Seu nome era Augusto, todavia, em nenhum outro lugar
alguém o reconheceria assim. Seu apelido, João Garrafa já havia impregnado à
sua existência tanto quanto o álcool ao seu sangue. Dois casamentos foram o
suficiente para derrubá-lo e fazê-lo trilhar num caminho quase sem volta. Logo
depois de seu casamento, na noite de núpcias, um enfarte em sua esposa levou-a
ao fundo da terra e, com ela, enterrou as esperanças de uma vida feliz e
tranquila.
Vários anos se passaram e, vivendo da pensão da segunda
esposa dada pelo filho que com ele permaneceu, nunca deixou os bares da cidade.
Era o mais solidário amigo dos traídos que, numa mesa de bar, caíam no porre.
De vez em quando, juntava-se a algum grupo destinado a levantar um barraco ou a
bater uma laje, ansioso, é claro, pela comemoração posterior. Levantava-se às
doze horas, engolia qualquer coisa e saía para o bar. Lá chegando, era recebido
com ensejo, mas não bebia imediatamente; com voz firme exclamava críticas ao
governo, às instituições (dando especial atenção ao casamento) e, ao terminar,
era aplaudido como um orador famoso. Somente aos domingos, esta rotina mudava,
arrumava garbosamente e seguia para a igreja assistindo fielmente às
celebrações.
Júnior, agora com 26 anos de idade, não dizia nada a
respeito do pai. Não demonstrava vergonha, mas não buscava a sua atenção.
Abandonado pela mãe que partiu para os EUA com um funcionário da embaixada e
vivendo com a sua tia no barracão construído sobre a casa do pai, nunca
demonstrou entusiasmo por nada; durante toda a vida, aceitava as sugestões da
tia, noviça convertida a Presbiteriana e, assim, formou-se em direito.
Certa ocasião, Júnior visitou um amigo e, pela primeira
vez, em 26 anos, falava sobre o que sentia. Falou de toda a angústia recôndita
na ausência do pai nos momentos mais importantes de sua vida, na saudade da mãe
que o deixou quando tinha oito anos de idade. Seu amigo José, mergulhado em
ceticismo devido a um relacionado mal sucedido, não lhe deu atenção; chamou-o
para o bar mais próximo e, lá, Júnior experimentou pela primeira vez em sua
vida aquela que substituiu ao pai as duas esposas que perdera. O êxtase tomou
conta de ambos, e, assim, José disse com tenacidade:
- A vida não tem sentido. A morte não é a consumação da
vida, é o único sentido para ela. Veja, tudo tende para a morte. Até mesmo os
mais nobres homens que deixaram sua memória marcada, nunca poderão se deleitar
com a fama posterior...
Júnior caminhava devagar, o discurso do amigo tocou-lhe
profundamente. Cambaleava andando sem rumo, apedrejava as janelas dos prédios
públicos, demonstrava a revolta antes oculta. Repentinamente, parou, e seu
estômago devolveu todo o rum misturado à cerveja que bebera naquela noite.
Minutos depois, sentia-se consciente, mas o discurso de seu amigo ainda surtia
o efeito da revolta. Pensou na mãe distante nos EUA, pensou no pai distante na
boemia, pensou na tia distante no fanatismo, pensou na vida distante do
sentido... Quebrou uma das garrafas...
No
outro dia, o velório de Júnior estava cheio: amigos da faculdade, todos os
parentes, a mãe que passava uns tempos no Brasil, o pai vivendo um raro dia de
sobriedade. E todos que se aproximavam de seu caixão exclamavam quase sempre o
mesmo:
- Tão jovem, um futuro pela frente! Nunca o vi debandar
por nenhum caminho não aprazível à sociedade. O que o destino quis? Tirar da
terra a prosperidade de um jovem advogado, com casamento marcado, e com uma
família que tanto o amava? Como explicar o aparecimento daquela cascavel em seu
quarto?
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