quarta-feira, 23 de março de 2016

O ferro e o Apagão





O ferro de brasas chorava seu desuso. Não tinha sentido existir. Fora criado para ser ferro e não para ser enfeite de estantes. Foi humilhado ao extremo e, com tristeza, observava outro ferro mais jovem, que exibia uma cauda ligada a um buraco na parede. Não compreendia bem o que era, mas sabia que aquilo o tornava superior. “Ah!” – pensava ele – “esta geração mais jovem, sempre com inovações na aparência”. Sentia-se solidário a uma senhora idosa que morava na casa junto com os filhos e que sempre exclamava:

- Neste país, velho não tem vez. Jovem é que dá lucro.

Ele também, durante anos, serviu àquela senhora. Tivera o privilégio de passar o seu vestido de noiva, o terno de seu marido, mesmo desmontado após vários tombos. Mas chegou outra geração e sua utilidade se tornou antiquadra. De vez em quando, quando percebia que algum daqueles que exibiam superioridade eram inutilizados por um simples tombo, alimentava as esperanças de voltar a ser útil. Mas, logo, logo, aquele era substituído por outro semelhante deixando-o em estado deplorável.

            Um amigo, também dotado de cauda semelhante à de seu rival, dizia-lhe sempre algo animador através de canções: “amanhã vai ser outro dia”. E foi este amigo que lhe trouxe a notícia que mudou o rumo de sua existência condenada para sempre à inutilidade: “Estamos em época de racionamento de energia”.  Não sabia o que isso significava, mas de uma coisa tinha certeza, depois disso, nunca mais ficou esquecido na estante; mas olhava complacente para o rival cuja cauda arrastava no chão demonstrando impotência e pensava: “eu também já passei por isso!”.

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